28 setembro 2011

Ouvida na sala de aula

A discussão estava lançada e versava sobre as disputas meninos - meninas, direitos de ambos e deveres de cada um para consigo próprio e para com o outro. Claro está que, com 9 ou 10 anos, cada uma das partes apenas tem a dizer da outra o pior possível, recusando quase todos o simples facto de partilharem a mesa com o género oposto.
Eis que o Vasco, normalmente portador de palavra sensata, resolve dizer, alto e bom som: "Pois eu até gosto muito das meninas! E não tenho dúvida nenhuma: quando for adulto quero casar-me."
Até aqui a coisa ía, provocando muita risota e algum rubor no semblante de algumas das "fillettes" que se sentiam já visadas. O pior veio a seguir, quando o Vasco especificou:
- Quero casar-me porque quero ter alguém a fazer-me o jantarinho e a ocupar-se da cozinha e das crianças enquanto eu vejo televisão e leio o jornal.
Nesse momento, a risota foi geral e até eu não resisti. Mas no meu íntimo não deixo de pensar nesta concepção de mundo que já existe nesta verde cabecinha. Bem sei que este e outros vascos da mesma idade têm muito tempo pela frente para reformularem os seus modelos mas... será que reformulam?

26 setembro 2011

Ouvido na rua

Ele: E acordaste e estavas a sonhar contigo própria?
Ela: Eu às vezes acordo e estou eu ao meu lado!

Ou isto era conversa de engate ou o meu Eu é muito mais uno e muito menos esquizóide do que eu supunha. Um daqueles momentos em que me sinto estranhamente equilibrada.

17 setembro 2011

O fascinante mundo de Jack (sendo este um taxista absolutamente saudável)

(Promissora cliente tentando engolir à pressa o último pedaço do bolo de arroz antes de entrar no táxi.)
Cliente - Desculpe tê-lo feito esperar.
Jack - Sem problema. Estava com fome?
Cliente - Fome, fome... Não era fome mas sim necessidade de comer. Estava a sentir-me um bocadinho mal disposta.
Jack (interessadíssimo e mostrando-se conhecedor) - Mas tem problemas de glicémia?
Cliente - Bom, que eu saiba não. Era apenas uma fraqueza.
Jack - Eu, graças a deus, não tenho problemas nenhuns de diabetes, nem colesterol, nem hipertensão. Nada... A única coisa que tive até hoje foi uma neoplasia no intestino aos 26 anos. (cliente à rasca, sem saber o que dizer). Duma vez cortaram-me 1 metro e meio de intestino. (cliente solta um "ha ha..." só para não estar caladinha). E não faço control nenhum!
Cliente - Então mas não era melhor fazer?
Jack - O que faltava enfiarem-me um chicote deste tamanho ( gestos largos das mãos que largaram o volante), desculpe a expressão, pelo rabo acima!
Felizmente as viagens de táxi terminam mais cedo ou mais tarde e esta foi curtinha mas um bom taxista pode dar-nos a conhecer todo um mundo novo.

12 setembro 2011

Ter e não ter

Tenho saudades dos dias em que me sentava ao teu colo e tu, sem admitires que podíamos ser em tudo diferentes, me obrigavas a copiar de olho os desenhos das capas dos cadernos. Eram os Meninos Rabinos os das capas dos cadernos, lembras-te? E o meu insucesso estampado na tua desilusão. Tenho saudades de quando nos penteavas a preceito, a mim e à minha irmã, ou não nos penteando, e nos fotografavas enfeitadas de flores ou de colares de pedras falsas, verdes e cor de rosa.
Passaram tantos anos e tu sem nunca me dizeres "amo-te" e eu sem nunca te dizer "amo-te".
Lembro aquela vez em que não tinhas roupa lavada para que eu e a minha irmã fossemos à praia, e esta é a única explicação que aceito, e em que nos convenceste que em Espanha toda a gente ia à praia com aquela vestimenta a que nós chamávamos camisa de dormir. E fomos. Eu sempre cheia de vergonha mas fui. Só tu para me fazeres exibir uma camisa de dormir em plena Praia Grande! E depois da praia, eu invariavelmente escaldada, passavas-nos no corpo álcool canforado, com propriedades calmantes e refrescantes que só tu sabias. Porque nunca te disse, como não te disse que te amava, mas a mim pareciam-me agulhas.
Tenho saudades da tua música sempre a tocar e de saber que nunca estavas lá, de onde a música saía, porque te deslocavas como os gatos e subias as escadas sempre sem ninguém dar por isso. Se quisessemos encontrar-te, o melhor era usarmos o olfacto e detectarmos de onde vinha o cheiro a cigarros que comias e que bebias como bebias café.
Tenho saudades das tuas mãos que raramente tocaram as minhas, pelo menos não a tempo de eu o poder recordar. Mas as tuas mãos são em tudo iguais às minhas! Agarravam a vida e os livros e o volante do carro que te herdei da mesma forma que as minhas agarraram as tuas a poucos dias de desistires de me querer.
Ensinaste-me quase tudo o que sei e muito mais quiseste que eu aprendesse, sem sucesso. Mas ensinaste-me aquilo que para mim é fundamental, a lealdade.
Tenho saudades das tuas mãos que raramente tocaram as minhas, da tua música, dos teus discursos ateus viscerais, das nossas discussões por convicções diversas, das vezes em que não me disseste que me amavas e das vezes em que, a caminho do fim, eu tive coragem de te chamar "nomes maricas" e de te dizer "amo-te".
Tenho saudades tuas, pai.